segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O direito de ir e vir

Nota do editor: como estou há alguns dias sem publicar nada e não queria demorar ainda mais, vou colocar no ar este texto ainda sem as ilustrações. Depois, assim que der tempo, coloco algumas fotos.
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É mais ou menos inevitável que, ao viajar, a gente comece a fazer comparações entre o que encontra e o que temos e casa. Geralmente observamos com mais atenção aqueles aspectos que nos incomodam mais. E, como pano de fundo, ainda levamos na mala aquela velha mania ("tendência recorrente" diriam os modernos) de achar a grama do vizinho é sempre mais verde.

"PEGA O ÔNIBUS AÍ EM FRENTE"

Quando fizemos aquela parada inesperada em Madri, logo no começo da viagem, no dia 19 de dezembro, a gente resolveu ir passear no centro da cidade. Aí perguntei na recepção do hotel como fazer para ir até lá (estávamos próximo do aeroporto de Barajas). A mocinha disse, com naturalidade: "pega o ônibus número tal nesse ponto logo aí em frente".

Claro que minhas experiências florianopolitanas com ônibus de linha me deixaram com os quatro pés atrás. Mas resolvemos experimentar. E qual não foi a surpresa: apesar de ser domingo, não demorou muito. Além de permitir ir vendo a paisagem do lado de fora das janelas, ainda permite conhecer um pouco do pessoal local que usa o ônibus.

Foi um bom passeio, barato e rápido. E nos lembrou que, em muitas cidades do mundo, o carro individual é uma opcão, não uma necessidade.

"RODO-FERROVIÁRIA"

A cidade onde estou (Aberdeeen, no nordeste da Escócia), não é muito grande. O município (Aberdeenshire) tem cerca de 240 mil habitantes. Mas é a principal base, no Reino Unido, para as empresas petrolíferas que operam no mar do Norte, o que reforça bastante a economia da região. Que, de resto, é conhecida no mundo pela sua pecuária (a qualidade da carne dos bovinos da raça Aberdeen-Angus é lendária) e, claro, pelas destilarias de uísque.

E Dyce, o bairro onde minha filha, meu genro e agora também meu neto estão morando, é próximo ao aeroporto. Mal comparando, equivale ao Carianos aí em Florianópolis. A distância do aeroporto ao centro é mais ou menos a mesma que a daí. Talvez um pouco mais.

Como na maioria das cidades européias, tem uma estação ferroviária no centro da cidade. Que, como na maioria das cidades do Reino Unido, tem uma rodoviária bem próximo. Aqui, fizeram há pouco tempo (foi inaugurado em 2009), um shopping center rodeando as duas. É possível descer do trem e ir pegar um ônibus intermunicipal passando por dentro do shopping. Numa cidade de invernos rigorosos, essa caminhadinha ao abrigo do frio e da chuva tem o seu valor.

Como tem uma estação de trem próximo ao aeroporto e o aeroporto é perto de casa, dá pra ir ao cinema (no shopping) de trem. Mas também dá pra chegar de avião a Aberdeen e pegar um trem para alguma das cidades próximas. Ou mesmo para o centro da cidade.

Ah, daquele shopping (Union Square) a que me referi, sai um ônibus expresso para o aeroporto. Portanto, ao chegar de avião, é possível também pegar um ônibus que te deixa no centro. Mais precisamente ao lado das estações rodoviária e ferroviária.

Vou lembrando essas coisas porque sei como é chegar de avião a Florianópolis e não ter como sair do aeroporto. Dependendo do horário (e do atraso do vôo) não tem taxi, que é a única forma de transporte terrestre colocada à disposição dos viajantes. Sim, tem também ônibus de linha, mas é de uso complicado para quem não conhece as manhas do "sistema" local.

CARRO PRA QUÊ?

Em Londres, Paris, Madri, Barcelona, Moscou, Nova Iorque, Washington e mais umas tantas grandes cidades, o sistema de transporte coletivo conta com a ajuda inestimável do metrô. Que permite, dependendo da sua capilaridade, ir literalmente a todo e qualquer ponto da cidade sem grandes transtornos, rapidamente e a um custo razoável. Ninguém precisa ter carro

Nas cidades menores, como Aberdeen, o carro ainda tem seu valor, dependendo de onde a pessoa mora. O ônibus, em todo caso, é uma boa opção. Outro dia tinha ido ao supermercado aqui perto de casa (a pé, doze minutos de caminhada) para pegar meus óculos (outra hora conto essa da ótica com oftalmologista dentro) e resolvi experimentar o ônibus para ir de lá até o centro.

Claro que, com as paradas e passando pelos locais mais habitados, o ônibus leva uma hora para fazer um trajeto que o trem, que é direto, leva dez minutos. Mas é muito amigável. Pra começar, a entrada é no nível da calçada. Ninguém precisa se esgarçar para "subir" no ônibus. Nos pontos com abrigo, tem um painel mostrando quantos minutos falta para o próximo ônibus chegar. E o ônibus para em cada ponto exatamente no horário em que deveria parar. Entra cachorro (acompanhado de seus donos, claro), entra bicicleta, entra velho, entra moço e ninguém precisa ficar se agarrando nas curvas pra não cair, nem tem freadas abruptas.

A caminhada da estação de trem de Dyce até em casa é relativamente longa. Uns 20 minutos, meia hora. Se está chovendo ou nevando, o jeito é pegar um taxi. Taxi é sempre um carro maior, confortável, espaçoso. Nada de carro "popular". E o preço, comparado com Florianópolis, não é assustador. Esse trajeto aí dá umas cinco libras (cerca de R$ 13,00).

Aquele pensamento inicial, meio que típico de brasileiro em férias, "preciso alugar um carro" foi abandonado logo nos primeiros dias. A gente tem conseguido se virar sem carro. Claro, para algumas coisas tem os carros da família, mas o Danilo trabalha e a Marta está ocupada com o filho, o que impede de tê-los o tempo todo à disposição. E por causa do seguro e da legislação local, não é qualquer um que pode dirigir qualquer carro. Para usar os carros deles sem que um deles esteja dirigindo, é necessário fazer autorizações e pagar adicionais no seguro. Se fosse o caso, seria mais fácil e rápido alugar um carro.

Ah, e tem outra coisa que ajuda a encarar as idas e vindas com mais tranquilidade e até com uma certa inveja: acidentes de trânsito são raros. E em geral menos graves que aí. Aquelas imagens quase diárias, de carros completamente destroçados, gente presa nas ferragens, a macabra estatística de milhares de mortes, sem falar nos aleijados, nas famílias traumatizadas, não existem por aqui. São realmente acidentes, que acontecem de tempos em tempos e geram grande comoção. Aí nem podem mais ser chamados de "acidentes", porque são rotina. É coisa do dia-a-dia a que, lamentavelmente, estamos nos acostumando.

Um comentário:

Cris Cardoso disse...

Parabéns pelo neto! É bem fofo, o Nicolas. Quanto a mobilidade europeia... sem comentários. E sem comparações por aqui. E quanto ao frio, vou te confessar que morro de inveja. Aqui os dias estão escaldantes. Até decidi minha tatuagem. Nas costas, em letras garrafais: "Manter em local fresco e seco". Porque ninguém merece suar feito tampa de marmita. Aproveitem o frescor da vida por aí. Abraços da Cris Cardoso.