domingo, 27 de fevereiro de 2011

Ainda bem que sou baixinho

ALGUMAS OBSERVAÇÕES SOBRE A CLASSE TURÍSTICA DOS AVIÕES

Se tem um lugar em que os mais altos (e fortes, e bonitos) não levam qualquer vantagem e, ao contrário, são penalizados, é na classe turística dos aviões de longo curso. Os aviões crescem, mas o espaço entre as poltronas (melhor chamá-las de cadeiras, porque poltrona dá idéia de uma coisa confortável e bem acolchoada) diminui. Desconfio que mesmo a largura de cada banco venha se estreitando lentamente ao longo dos anos.

Minha filha, no ano passado, viajou de Nova Iorque à Europa num desses Airbus 380, com dois andares, o maior avião de passageiros atualmente em atividade. Os assentos da classe turística eram ainda mais apertados que os dos Airbus menores. Viajei neste final de semana e posso estar exagerando, mas a cadeira do pequeno Embraer 145 que nos conduziu de Aberdeen a Londres, nada ficava a dever à cadeira do majestoso boeing 777 que nos trouxe de lá até Guarulhos. Sei que os dois assentos têm enormes diferenças, mas a sensação que se tem é que o aperto é semelhante, apesar do 777 poder acomodar vários 145 dentro dele.

"TOUCH-SCREEN" ESSA INCOMPREENDIDA

De uns tempos para cá, a pretexto de oferecer diversão e distrair os apertados passageiros, as empresas aéreas oferecem telas de vídeo individuais, colocadas no espaldar da cadeira da frente. São acionadas pelo toque dos dedos na tela. O que é uma forma sutil de dizer que a tela tem que estar ao alcance das mãos. De um encosto ao outro, a distância é praticamente de um braço.

Outro problema dessas telas sensíveis ao toque, é que multidões não entendem que toque é só encostar ou passar os dedos. Acostumados a décadas de aparelhos com teclas, em que é preciso pressionar o dedo, até com certa força, o que se vê é o sujeito da cadeira da frente balançar a cabeça sempre que a pessoa atrás resolve mudar de canal.

Próximo de mim uma senhora, espremida entre dois outros passageiros, tentava se distrair jogando paciência. As cartas eram movidas com o toque dos dedos. Mas ela, acostumada com as teclas, batia na tela com a ponta de sua unha bem feita do indicador. Com força. Como se estivesse tocando piano num bar barulhento e precisasse fazer soar as cordas ao máximo. A pessoa sentada à frente parecia um guitarrista metaleiro, sacudindo a cabeleira para frente e para trás.

TADINHO DO GRANDÃO

A meu lado, coitados, viajaram dois jovens, provavelmente ingleses, bem mais altos que o meu modesto 1,70 m. Um deles tinha estrutura e estatura daqueles galalaus que remam nas competições universitárias do Reino Unido. Até me senti melhor acomodado quando vi a dificuldade que tinham em encontrar posições, durante as onze horas do vôo, para seus longos braços e pernas. Se fossem um casal, poderiam como Lúcia e eu fizemos, encostar um no outro, apoiar o travesseiro no ombro do parceiro, tentando enganar o fato de que a cadeira não reclina quase nada e que depois de certo tempo tem-se vontade de deitar no chão do corredor.

E olha que, previdente, economizei um dinheirinho para poder comprar um dos tais "assentos conforto". Sabe aquelas fileiras de assentos diante de saídas de emergência ou logo depois das "galley" (aqueles compartimentos onde o serviço de bordo é preparado)? Pois é, têm um pouco mais de espaço porque não têm, diante de si, outra fileira de cadeiras. A TAM cobra uma tarifa extra pelo uso daquelas cadeiras, porque sabe que, numa viagem longa, alguns centímetros a mais podem fazer muita diferença.

No caso de baixinhos como Lúcia e eu, esse espaço significa que podemos colocar a malinha de mão no chão e apoiar os pés, para poder ficar numa posição um pouco menos cansativa. No caso dos meus enormes vizinhos, o alívio parece ter sido pequeno. Tá certo que não precisaram ficar apoiando o queixo no joelho, como o pessoal grande das fileiras normais, mas permanece o fato de que as cadeiras reclinam miseravelmente e a largura impede movimentos de ajuste do corpanzil. Menos mal que jovem se recupera rapidamente de noites maldormidas.

O aglomerado, apertamento e promíscua proximidade (um avião como o 777-300 da TAM transporta 305 almas na classe econômica) faz com que a gente acabe criando uma intimidade instantânea compulsória com desconhecidos. Cheiros, ruídos e roçar e braços e pernas durante longas horas, podem levar o passageiro desavisado ao pânico total. Ou ao desespero. O grandão ao meu lado, mal acomodado, tentando se equilibrar num travesseiro minúsculo, pega no sono, apesar de tudo. A certa altura, nada impede que ele desabe sobre mim. E dependendo do peso do sono, babe e ronque na maciez da minha cuidadosamente cultivada barriga. Esse temor faz com que meu cochilo seja entremeado de espiadelas pra ver se o vizinho ainda estava nos seus limites.

"DARIA TUDO POR UMA CAMA!"

A TAM tem dois vôos de Guarulhos a Florianópolis, para conduzir os passageiros que chegam do exterior de manhã. Um às sete e meia da manhã, outro às três e meia da tarde. Nós chegamos às cinco e meia. Teoricamente, poderiamos pegar o avião das sete. Afinal, são duas horas. Mas, na prática, é impossível. Primeiro porque as malas levam séculos para chegar até a esteira. Depois, porque tem fila enorme para passar pelo crivo da Receita Federal (sempre parece que todos os vôos chegam no mesmo horário que o nosso).Com sorte (e sem passar na duty free), consegue-se sair uma hora e meia depois de aterrissar. Daí, ainda precisa contar com a boa vontade do pessoal do check-in de conexão. Ou seja, a partir das cinco da manhã, a turma vai mesmo pra Florianópolis no vôo das três e pouco.

O que fazer, se depois de uma noite maldormida de aperto, sufoco e sustos, ainda temos que ficar umas seis ou oito horas no aeroporto? Ahá! Agora todos seus problemas estão resolvidos. Guarulhos já tem um hotel da rede Fast Sleep. São pequenos quartos, quase casulos, com beliches, para um descanso de algumas horas. Banheiros limpos, bom chuveiro, toalhas, completam o cenário. Resultado: na hora de entrar no avião para Florianópolis, a gente já está limpo, descansado, quase refeito e até sorridente.

Alguns poderão dizer "é caro!" (R$ 150,00 por um período de cinco a oito horas). Caro é o tal de "assento conforto" da TAM. Que custa 50 dinheiros. Se o vôo estiver indo ou saindo da Europa, 50 euros. Se do Reino Unido, 50 libras. O que é uma sacanagem. A libra vale mais que o euro. O banho e o soninho numa cama horizontal depois de onze horas de apertamento, não tem preço.

Claro que quem tem milhas suficientes para voar de classe executiva, ou é funcionário graduado de empresas que pagam executiva, ou tem boquinha no governo brasileiro e vai de primeira classe, tem direito, após ao vôo, a banho e descanso nos "lounges" que as empresas mantém nos principais aeroportos. Mas a turma da turística, até agora, tinha que amargar a espera nos bancos dos aeroportos, curtindo o amarfanhado da travessia noturna.

"ISSO É UMA INJUSTIÇA!"

Essa história de "assento conforto" ainda gera muita angústia em quem não conhece as regras. O vôo para Florianópolis estava lotadaço. Só tinham, vagas, quatro ou cinco poltronas do tal "assento conforto" nas saídas de emergência. A gritaria foi grande, porque a turma não aceita que tenha que viajar entre dois gordos enquanto uma linda poltrona de corredor está vazia, ao lado do célebre e sempre interessante Tio Cesar. O aeromoço explica que ali custa mais caro, aí o passageiro tira dinheiro do bolso e quer pagar, mas o problema é que essa compra tem que ser feita no check in, não tem como fazer nem antes, nem depois. A criatura, bufando, encerra o show. Mas antes fuzila, com o olhar, todos aqueles idiotas que estão com as pernas esticadas.

Mal sabe ele que, nos vôos domésticos, metade dos tais "assentos conforto" das saídas de emergência não reclinam. É uma opção entre pagar a mais para esticar as pernas ou ficar com o joelho nas costas do outro, mas pelo menos reclinar a poltrona alguns graus (aposto que não chega a 10º).

Mas, no fim das contas, em menos de 30 horas passamos de um calorão de 13º para um forno a 30º. Trajeto que nossos antepassados levavam meses para cumprir. Em condições muito piores (isso quando não eram arrancados de suas casas, na África, e trazidos nos porões fétidos do vergonhoso comércio de gente que o Brasil custou a abdicar). E, o mais importante: as malas chegaram junto conosco. Todas elas, no mesmo vôo. E com todo o seu conteúdo intacto!

Para completar, só faltava amanhecer o domingo fresquinho, com vento sul. ;-)

Um comentário:

Jane disse...

Ah, César, estava toda entusiasmada com minha próxima viagem à Europa em Setembro (onde não piso há cinco anos), e você vem me lembrar deste martírio! Da última vez, chequei a Paris com os tornozelos roxos e inchados, cheio de veinhas estouradas. Acho que no Estatuto do Idoso deveria constar que temos direito a lugares confortáveis nos aviões internacionais, pelo menos, na classe executiva. Como diz a minha secretária do lar, "é pra acabar com o pequi de Goiáis"!